Apelidos “reais” masculinos

Como o leitor do BLPM sabe, o que não falta na Espanha é criatividade para inventar apelidos. Lembrando que apelido em espanhol se diz mote ou apodo.

E, por que os reis iam ficar de fora de tão nobre costume? Carlos, el hechizado, Jaime, el conquistador, Felipe, el pasmado são alguns dos apelidos que vamos ver hoje.

Jaime, o conquistador

(1208 – 1276) Jaime I, rei de Aragón e Conde de Barcelona, também foi Visconde de Cardalés, Barão de Omeladés, Conde de Urgel e Visconde de Fenolleda.

A primeira vez que ouvi dizer Jaime, el conquistador, imaginei um rei que era gato, sedutor, bonitão mesmo.

Depois descobri que o apelido é por causa de ter conquistado Valência, Sevilha, Ilhas Baleares, Tarragona, além da reconquista contra o islã. Lembremos que nos referimos à Idade Média, quando as lutas religiosas eram realmente muito importantes, principalmente na Península Ibérica.

Foi um modelo de monarca medieval, de grande caráter e personalidade forte, aparece como alto, loiro, mãos finas e dentes bonitos. Era generoso e fiel. Religioso e bélico, foi criado entre os templários, servindo armado à cristandade e lutando contra o islamismo.

Diz a história que era valente, pois houve um episódio no qual ele tirou uma flecha que atravessou o osso do seu crâneo com as próprias mãos. Olé, Jaime!

Contribuições feitas à Espanha no seu reinado:

  • Impulso ao comércio e política no norte da África, incluindo a redação do Llibre del Consolat de Mar, primeiro código de costumes marítimos.
  • Proteção aos judeus.
  • Reformas monetárias e criação de moedas próprias.
  • Impulso a instituições do reino como as cortes e as prefeituras.

Alfonso, o sábio

Alfonso X de Castilla, Castela em português (1221-1284), reinou de 1252 até a sua morte.

Mereceu o apelido por sua capacidade de convocar os homens mais cultos da sua época, além de ele mesmo ser o maior cronista da Espanha medieval.

Reconhecido pela obra literária, científica, histórica e jurídica realizada pelo seu escritório real, o monarca patrocinou, supervisou e alguma vezes participou com sua própria escritura em colaboração com um conjunto de intelectuais latinos, hebraicos e islâmicos conhecido como Escuela de Traductores de Toledo, na composição de uma grande obra literária que inicia nada menos que a prosa em castelhano. Inclusive ajudou a manter o galaicoportugués, que se não fosse por ela, não estaríamos lendo neste idioma neste momento.

Madrid conta com a Universidade privada Alfonso X el Sabio, UAX, nome em homenagem ao tão importante rei.

 Felipe II, o prudente

Apesar das circunstâncias difíceis do seu reinado, conseguiu manter a integridade do imenso território herdado baseando-se na tomada de decisões moderadas.

Felipe II conseguiu certo equilíbrio com um grande triunfo político, ao conseguir a unidade ibérica ao anexar Portugal e seus domínios, ao fazer valer os seus direitos sucessórios em 1581 nas Cortes de Tomar. Completou a obra unificadora iniciada pelos Reis Católicos.

Afastou a nobreza dos assuntos de Estado, substituindo-os por secretários reais procedentes de classe média, e deu forma ao sistema de conselhos.

Contestou certas prerrogativas da igreja, codificou leis e fez censos populacionais, o que refletiu em certa bonança econômica.

Carlos, o enfeitiçado

Carlos II, (1661-1700), rei da Espanha, Nápoles, Sardenha e Sicília.

Seus domínios incluíam os Países Baixos Espanhóis e o império espanhol de além-mar, indo das Américas até as Índias Orientais Espanholas.

Os sucessivos casamentos consanguíneos praticados pelos Habsburgos, dada a tentativa de preservar as propriedades familiares, produziram uma tal degeneração que Carlos acabaria por nascer raquítico, quase louco, impotente e com outras doenças como epilepsia – além de possuir o célebre maxilar proeminente dos Habsburgos (prognatismo mandibular) característica da interconsaguinidade familiar, bem visível nos retratos do rei. Foi ainda conhecido como amaldiçoado.

Carlos foi uma criança doente. Sua criação não ajudou em nada a resolver graves os problemas temperamentais e físicos que tinha. Incapaz de andar adequadamente porque suas pernas não aguentavam seu corpo. Aos 9 anos ainda não sabia ler e escrever e seus conhecimentos gerais continuaram escassos ao longo de sua vida. Gostava de caçar e de música, pois ambos o faziam esquecer dos traumas que sempre teve.

Chegaram a dizer que ele tinha um estado físico lamentável porque participava de bruxaria e tinha influências diabólicas, por isso até chegou a ser exorcizado.

Vida conjugal

Deveria casar-se com uma Habsburgo, como desejava sua mãe, porém a candidata tinha apenas 5 anos de idade.

Portanto, a jovem princesa francesa Maria Luísa, filha do duque Orleans e sobrinha de Luís XIV de 17 anos, foi a esposa escolhida. Ela não conseguiu dar um herdeiro para a Espanha, e faleceu em 12 de fevereiro 1689, de uma queda de cavalo.

O segundo casamento de Carlos foi com a irmã da esposa do imperador Leopoldo I, irmão de sua mãe; Maria Ana Neuburg – que logo se mostrou disposta a saquear seu novo país. Era uma mulher resoluta, decidida a influenciar o governo da Espanha e defender o interesse dos Habsburgos austríacos. Ela não se dava bem com a sogra. Maria Ana morreu em 16 de maio de 1696 e deixou Carlos ainda mais a mercê dos interesses conflitantes de sua corte.

Ele tinha deficiências físicas, intelectuais e emocionais, e por consequência seu reinado foi ineficiente.

Abaixo copio um texto de um núncio papal de 1686 – detalhe, 4 anos antes de ele falecer: “Ele é mais para baixo, frágil, não malformado; seu rosto no conjunto é feio; tem um pescoço comprido, face e queixo largos, com o lábio inferior típico dos Habsburgos, olhos não muito grandes de um azul-turquesa e uma compleição fina e delicada. Tem um olhar melancólico e levemente surpreso. O cabelo longo e claro, é penteado para trás de modo a deixar as orelhas à mostra. Não consegue se manter ereto quando caminha, a menos que se apoie contra uma parede, uma mesa ou uma outra pessoa. É fraco de corpo e de mente. De vez em quando, dá sinais de inteligência, memória e certa vivacidade, mas não presentemente; em geral, mostra-se lento e indiferente, letárgico e indolente, e parece estupidificado. Pode-se fazer com ele tudo quanto se queira, porque é desprovido de vontade própria.” (Anúncio papal em 1686)

Coitado do Carlos. Quisera ele ser enfeitiçado…

Um vídeo que resume um pouco da sua história.

Felipe, o pasmado

Felipe IV (1605-1665) foi rei da Espanha de 1621 até a sua morte. Teve vários apelidos, entre os quais os mais conhecidos: o galante, o rei planeta, o pasmado.

O pasmado: tinha uma cara “difícil”, a mandíbula eminente e o beiço caído. Era neto do rei prudente. Adivinha de quem ele era pai…?!

O rei planeta: a coroa nessa época possuía imensos territórios.

O rei galante: “todos os tipos de mulheres eram boas para o seu esporte erótico: donzelas, casadas e viúvas, altas damas, criadas do palácio, burguesas, atrizes, operárias e até músicas e cantos, como foi dito aos que fizeram o tráfico profissional do seu corpo. Do Alcázar à mancebia, passando pelo curral das comédias, não havia fronteira para o seu ardor; mas suas preferências eram mais por mulheres humildes que por de linhagens nobres.”

Curiosidades sobre ele:

  • Nunca saiu da Espanha, mas era chamado de Rei Planeta.
  • Ficou 44 anos e meio no poder.
  • Foi rei de Portugal entre 1621 e 1640
  • Considerado o rei por excelência do século de ouro da cultura espanhola, teve a maior coleção de pintura da Europa, era apaixonado pelo teatro, poesia e de arte em geral.
  • Era bem safadinho, viciado em sexo. Ou seja, pasmado só na aparência. Teve 7 filhos no primeiro casamento e 5 no segundo, além de 30 filhos em relações extramatrimoniais, dos quais só reconheceu 2.

Acho que pasmado ele não era muito, pois tem até um filme onde tem uma frase célebre dele, que quer ver a rainha nua (la reina desnuda).

 

Pepe Botella

(Zé garrafa, numa tradução tão ralé como o próprio apelido do moço)

Pepe é o diminutivo de José. Vem de Pater Putativus, que acompanhava os textos sobre José de Nazaré, “Sanctus Josefus Pater Putativo Christi”, depois “S. Josefus P.P. Christi”, derivando em Pepe.

José I Bonaparte, ou José Napoleón I (1768-1844), era irmão mais velho de Napoleão. Foi rei da Espanha entre 1808 e 1813, coincidindo com o Levantamento do 2 de maio.

Ele veio a Madrid em julho de 1808 depois que o povo tomou o poder contra as tropas napoleônicas. Teve que fugir da cidade, indo a Bailén, Burgos, Miranda del Ebro e Vitória. Só posteriormente voltou pra capital onde estabeleceu o seu governo até 1813, quando perdeu a batalha dos Arapiles e teve que voltar pra França.

Diz-se que ao se refugiar na França foi com uma bagagem valiosa, já que levou várias joias da coroa espanhola e obras de arte. Ficou lá até a queda de Napoleão.

Existem duas versões para o apelido do Pepe:

Primeira: ele tinha uma quedinha pelo “mé”. Isso mesmo, ele adorava tomar umas bebidinhas com demasiada frequência.

Havia um ditado popular: chamam o rei: “Pepe botella, baja al despacho” (desça ao escritório), e ele responde “no puedo porque estoy borracho” (não posso porque estou bêbado).

Caricatura do Pepe que diz “cada qual tem sua sorte. A sua é de ser bêbado até a morte”.

Segunda: ele nem bebia muito. O que Pepe fez foi eliminar o imposto sobre o álcool e outra série de medidas liberadoras como autorizar a liberdade de horários das bodegas, chamadas botillerías.

Outro apelido foi “o rei pracinhas”, el rey plazuelas, por seu interesse em abrir prazas na capital, em troca de derrubar conventos e igrejas. Pepe inaugurou nada menos que a Plaza de Oriente.

Conquistador, garrafa, sábio, pasmado, enfeitiçado, prudente… os reis espanhóis têm apelidos para dar e vender. Qual você gostou mais? Tem algum que você não conhecia? Qual achou mais interessante?

Conta pra gente!

Se você não viu, temos outra versão dos apelidos das rainhas espanholas.

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